Segurança de sistemas de Inteligência Artificial no contexto judiciário: prevenção e controle de manipulação maliciosa de comandos (prompt injection) em documentos.
SEI n. 0020857-66.2025.8.22.8000
Texto Original1. CONTEXTUALIZAÇÃO
O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO), em conformidade com a Resolução n. 615/2025-CNJ, de 11 de março de 2025, a Resolução n. 335/2020-CNJ, de 29 de setembro de 2020, e a Política de Inteligência Artificial do TJRO (Resolução n. 356/2025-TJRO, de 28 de agosto de 2025), apresenta análise técnica sobre a vulnerabilidade conhecida como prompt injection, reconhecida na literatura especializada como risco relevante para sistemas judiciais automatizados (Badaró & Puppe, 2025; IBM, 2025).
2. DEFINIÇÃO TÉCNICA
Prompt injection consiste na inserção deliberada de instruções ocultas ou manipulativas em documentos processuais, com o objetivo de alterar indevidamente o comportamento de sistemas de inteligência artificial encarregados da análise, classificação ou sumarização desses documentos, comprometendo a integridade e a confiabilidade dos resultados automatizados.
Técnicas reconhecidas incluem:
I - texto em fonte branca sobre fundo branco;
II - instruções em metadados de arquivos PDF;
III - comandos incorporados em camadas ocultas de documentos;
IV - uso de fontes de tamanho microscópico ou ilegível;
V - instruções em idiomas não usuais ou codificados.
3. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E ÉTICA
3.1 Potenciais Repercussões no Ordenamento Jurídico
A prática pode caracterizar violação a:
a) princípios da boa-fé processual e dever de cooperação, previstos no Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), art. 5º, e disposições sobre litigância de má-fé, arts. 77, I a VI; 80; 81;
b) deveres profissionais dispostos no Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994), art. 32, VIII, e art. 34, XIII;
c) deveres éticos previstos no Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015-OAB, de 19 de outubro de 2015), art. 2º, parágrafo único, VI, e art. 32;
d) direito à revisão de decisões automatizadas e princípios da transparência e não discriminação, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n. 13.709/2018), art. 20, § 1º, e art. 6º
e) Resolução CNJ nº 615/2025, art. 3º, que estabelece parâmetros de segurança e auditoria algorítmica.
3.2 Implicações Constitucionais
A manipulação de sistemas de IA judicial pode comprometer:
I - o devido processo legal (Constituição Federal, art. 5º, LIV);
II - o contraditório e a ampla defesa (Constituição Federal, art. 5º, LV);
III - a isonomia processual (Constituição Federal, art. 5º, caput);
IV - a duração razoável do processo (Constituição Federal, art. 5º, LXXVIII).
4. RISCOS IDENTIFICADOS
4.1. Risco à Imparcialidade
Sistemas de IA podem gerar resumos enviesados, classificações incorretas ou análises distorcidas, produzindo viés informacional, mesmo que a decisão do magistrado permaneça autônoma;
4.2. Risco à Segurança da Informação
Instruções maliciosas podem comprometer bases de dados jurisprudenciais e sistemas de gestão processual;
4.3. Risco à Confiabilidade Institucional
A exploração dessas vulnerabilidades pode abalar a confiança pública nos sistemas digitais do Judiciário.
5. MEDIDAS DE CONTROLE E MITIGAÇÃO
5.1.Técnicas
São requisitos técnicos para os sistemas de IA desenvolvidos no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, ou que venham a ser contratados:
I – Registro de logs detalhados: Assegurar que os sistemas de IA mantenham registro de todas as interações, incluindo data, hora, identificação do usuário, conteúdo dos prompts submetidos e respostas geradas, conforme estabelecido nos arts. 3º, XIII, e 10 dos Atos n. 1629/2025 e n. 1630/2025.
II – Validação de formato documental: Estabelecer processo de conversão de documentos para texto plano antes do processamento por IA, reduzindo a superfície de ataque através da remoção automática de metadados.
III – Testes durante homologação: Incluir nos procedimentos previstos no art. 14 da Resolução n. 356/2025-TJRO casos de teste específicos com documentos contendo técnicas conhecidas de prompt injection, verificando a resiliência dos sistemas antes de sua entrada em produção.
IV – Revisão periódica de outputs: Implementar amostragem estatística dos resultados gerados pela IA para identificação de inconsistências ou padrões atípicos, sem necessidade de análise exaustiva de todos os documentos processados.
6. Procedimentais
I – Revisão humana obrigatória de todos os resultados gerados por IA, conforme arts. 3º e 9º dos Atos n. 1629/2025 e n. 1630/2025;
II – proibição do uso de classificações automatizadas sem possibilidade de revisão humana;
III – Capacitação contínua dos servidores e magistrados sobre os riscos e protocolos relacionados.
7. Responsabilização
O TJRO poderá adotar as seguintes medidas administrativas e processuais em casos de identificação de manipulação de comandos em documentos processuais:
I – Apuração técnica e perícia documental em caso de suspeita de manipulação;
II – Possibilidade de adoção de sanções processuais cabíveis e comunicação aos órgãos competentes;
III – Encaminhamento de indícios de ilícitos aos órgãos responsáveis pela apuração, conforme a natureza da conduta.
8. RECOMENDAÇÕES
8.1. Divulgação e Transparência
I – Divulgar amplamente a presente Nota Técnica junto à comunidade jurídica e à sociedade.
II – Comunicar à Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rondônia sobre os riscos identificados e as medidas de controle implementadas.
8.2. Orientação a Magistrados e Servidores
I – Alertar magistrados e servidores para observarem possíveis discrepâncias entre o conteúdo dos autos e os resultados de análises geradas por sistemas de IA, em conformidade com o dever de revisão estabelecido nos arts. 3º e 9º dos Atos n. 1629/2025 e n. 1630/2025.
II – Incluir o tema prompt injection nas capacitações continuadas previstas no art. 11 da Resolução n. 356/2025-TJRO.
III – Adotar as medidas processuais cabíveis quando identificada má-fé relacionada à manipulação de sistemas de IA, nos termos dos arts. 77, 80 e 81 do Código de Processo Civil, assegurado o contraditório e a ampla defesa.
IV – Determinar, quando couber, perícia técnica para identificação de técnicas de prompt injection em documentos processuais, conforme previsto no art. 156 do Código de Processo Civil.
8.3. Orientações à Secretaria de Tecnologia (STIC)
I – Incorporar nos procedimentos de homologação previstos no art. 14 da Resolução n. 356/2025-TJRO casos específicos de avaliação de vulnerabilidade a técnicas de prompt injection.
II – Aprimorar os mecanismos de monitoramento, auditoria e registro de logs das soluções de IA, conforme estabelecido no art. 18 da Resolução n. 356/2025-TJRO.
9. CONCLUSÃO
A integridade dos sistemas de inteligência artificial do Poder Judiciário é essencial para segurança, isonomia e confiança social. O prompt injection representa ameaça real à imparcialidade e à fiabilidade processual, exigindo respostas técnicas, normativas e éticas articuladas. A prática pode caracterizar violação a diversos deveres processuais e éticos, estando sujeita às consequências legais previstas no ordenamento jurídico.
10. REFERÊNCIAS
BADARÓ, Rodrigo; PUPPE, Matheus. Prompt injection jurisdicional: riscos e controles. OAB Nacional, 2025. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/63465/artigo. Acesso em: 6 nov. 2025.
IBM Corporation. Prompt Injection Attacks: Threats and Safeguards. IBM Think, 2025. Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/think/topics/prompt-injection. Acesso em: 6 nov. 2025.
Desembargador Alexandre Miguel
Presidente do Comitê de Governança em Inteligência Artificial